
Sou um apaixonado ou poliamor é só amor
As últimas semanas foram muito intensas por aqui. Estou no começo de 2020 e diante de grandes dilemas e transformações pessoais. O problema de estar no meio do processo é que é muito difícil entendè-lo ou falar sobre. Ele é vivido fundamentalmente por meio das emoções, que entram num efervescente turbilhão que chacoalha a mente, que por sua vez, coitada, fica tentando dar algum sentido a isso tudo e fazendo muitas associações e mais confusões, que voltam a desequilibrar as emoções e realimentar o processo. O jeito é ir deixando passar e sobreviver ao processo, chorando, sentindo pena de si mesmo, ficando deprimido, vivendo intensamente tudo que vem sem tentar escapar pelas saídas “fáceis” que o mundo oferece como forma de embotamento e escapismo de si. E no meio disso tudo ainda tentando tocar a vida, resolvendo as demandas do dia a dia sem deixar a peteca cair. Difícil. Muito difícil.
Nesse processo retornam alguns insights sobre minha trajetória pessoal e a maneira como me relacionei e me relaciono com o mundo e as pessoas. Entre muitos pensamentos confusos e reflexões, algumas coisas vêm mais claras. Percebi que sempre fui apaixonado pelas pessoas. Quando mais jovem e mais ignorante, essa minha paixão era direcionada a pessoas específicas. Então, me apaixonei na vida por muitas mulheres, a maioria de forma platônica, pois era bastante covarde e inseguro para expressar essa paixão. Essa paixão jovem, como acontece na maioria das vezes, me consumia e me causava um grande sofrimento por não ser plenamente expressada, mas também um prazer não explicado, um gozo de se sentir amando, um calorzinho gostoso no coração.
Hoje entendo que essa paixão que se focava de forma intensa em um só objeto de cada vez, era um amor maior que necessitava se expressar e por não saber sua origem, colocava no ser amado objetificado toda sua potência. O problema da paixão ligada ao desejo sexual é que se espera a mesma paixão e dedicação de volta. Receita para conflitos e inadequações.
Aos poucos, à medida que conseguia me relacionar com as mulheres de forma mais saudável e completa, fui percebendo que era capaz de ter um relacionamento com uma pessoa, mas isso não me impedia de sentir amor por outras mulheres, ou mesmo homens, não estando necessariamente ligado ao desejo sexual. E não era um amor genérico e superficial, sentia um carinho especial por algumas pessoas que era bastante forte. Então que amor era esse? Continuei descobrindo que o amor, embora não excluísse a atração física ou aquilo que chamam de paixão, esse amor contém todos os outros amores mas é maior e mais amplo que eles e era possível sim amar muitas pessoas ao mesmo tempo mesmo que uma só pessoa fosse a escolhida para compartilhar sua vida. O poliamor é só amor.
Fui percebendo paulatinamente e algumas vezes não sem sofrimento, que eu me apaixonava por pessoas e não por objetos de desejo, embora algumas vezes no começo esse amor viesse misturado e confundido por minha mente ainda ignorante. Que eu era capaz de amar as pessoas e ajudá-las e que no meio dessa história toda brotava em mim um certo dom de perceber potenciais, era capaz de alguma forma de acessar a beleza interna de algumas pessoas. Ao longo da vida, não de forma tão consciente, fui construindo meios hábeis e acessando ferramentas que me tornassem capaz de transmitir e transbordar essa paixão pelas pessoas na minha vida, sem esperar que elas devolvessem algo em troca. A maior descoberta foi perceber que o exercício do amor é uma força e uma potência que não brota do meu indivíduo limitado, mas apenas do qual sou um catalisador ou direcionador, na falta de palavras melhores. O amor não me pertence, me transcende e parece ser o grande sentido da minha vida. Não. Acho que na verdade é o grande sentido da vida de cada um de nós. Se olharmos para os grandes mestres de sabedoria que viveram ou vivem neste mundo caótico, eles têm fundamentalmente em comum possuir esse dom aflorado plenamente. Ou seja, um grande mestre não vê a beleza interna de algumas pessoas, mas enxerga a beleza interna que há em todas elas, sem exceção.
No meu caso ainda não sou capaz dessa amplitude toda, mas acho lindo poder me apaixonar e amar algumas pessoas, tentar ajudá-las quando possível a encontrar seu próprio brilho e aos poucos ir ampliando essa capacidade de amar, para quem sabe um dia conseguir amar plenamente como os grandes mestres?
Então, convido você que conseguiu chegar até o final desse texto confuso a descobrir em si esse amor que está aí dentro e precisa se expressar de forma mais ampla, sem se limitar a uns poucos objetos, porque esse tal desse amor não tem limite, vem de uma fonte inesgotável e nosso trabalho é só retirar os obstáculos criados por nossa mente que impedem que ele se manifeste de forma plena e incomensurável. Eu de cá prometo continuar tentando também.
Ricardo Coelho, janeiro de 2020.